quinta-feira, 8 de maio de 2008

Como ser avô! por Fernando Veríssimo


Avô é uma espécie de pai com sursis. O que pai faz por obrigação avô faz - ou não faz - por escolha. Pai tem que estar sempre pronto para mudar as fraldas da criança. Avô pode estabelecer limites às suas atribuições. Fralda com xixi, vá lá, numa emergência. Fralda com cocô, nunca.
Outra coisa: o colo. Como se sabe, existem dois tipos de colo, o utilitário e o festivo. Colo utilitário é quando a criança fica na vertical recebendo tapinhas nas costas, depois de mamar. Seu objetivo é provocar o arroto. Arroto e pum são as duas principais realizações da criança nos seus primeiros meses de vida. São recebidos com manifestações de entusiasmo da família, como se ela tivesse passado no vestibular. O avô mantém distância na hora do colo utilitário. Pode fazer parte da torcida, soltar um “Viva o Brasil” na hora do arroto, se for dos bons, ou de um pum particularmente ressonante. Dar apoio moral, e só.
No colo vertical o avô não consegue desempenhar sua principal função, que é a de olhar o rosto da criança, maravilhado. Depende da informação de terceiros para cumprir sua missão (“Ela tá de olho aberto? Fechado? Ta rindo?”). Já o colo festivo, na horizontal, é para a adoração e nada mais. No colo horizontal até um pum extemporâneo da criança pode ser tomado como uma deferência especial ao bobo que a segura. Para colo horizontal, avô tem preferência.
Outra função importante de um avô é falar racionalmente, com voz normal, com a criança recém-nascida. Relatar os fatos do dia, pedir sua opinião, sugerir que ela não se desespere com as opções limitadas da sua alimentação no momento (só duas, peito direito e peito esquerdo) pois com o tempo as coisas melhorarão bastante. Logo virão as papinhas e as sopinhas e eventualmente os carrês de cordeiro com batatas Dauphine e cebolas carameladas, e arrotos com muito mais conteúdo.
Claro que o avô não espera que a criança o entenda, e muito menos que responda. É para ela saber que nem todos falam com voz de bebê e fazem perguntas retóricas como “Cadê a coisinha mais fofa, cadê?” e que ela não caiu num mundo de malucos. E que o nível das conversas também melhorará com o tempo.
Passada a primeira fase, o avô deve acompanhar todas as etapas do crescimento da criança na capacidade que lhe for pedida, salvo risco de deslocamento da coluna. Ouvi dizer que a neta do Juca Kfouri começou a estudar balê e exige que o avô faça pliês junto com ela. Não sei se quando chegar a minha hora conseguirei ficar de pé, mas estou preparado.


Fonte:

Nenhum comentário: