terça-feira, 14 de setembro de 2010

PARECER ALTERAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA INCLUIR SOBRENOME DE SOLTEIRA DA MÃE

PARECER MINISTERIAL


MM. Juiz;

Cuida-se de Pedido de Retificação de Registro Civil formulado por Fulano de Tal Junior, já qualificado, de acordo com os ditames da Lei dos Registros Públicos (Lei n° 6.015/73).

Alega o autor que sua genitora se divorciou e por tal razão voltou a utilizar o nome de solteira, qual seja Maria de Tal. Ocorre que na certidão do nascimento do suplicante consta o nome de casada da mesma, o que tem causado dificuldades ao autor quanto à sua identificação, em virtude da genitora ter optado pelo uso do nome de solteira.

O autor houve por bem em comprovar a veracidade dos fatos, conforme se depreende das provas produzida às fls. 09 e 13.

Este é o breve e sucinto relatório. Passo a opinar.

O presente procedimento segue o rito do art. 109 e seguintes da Lei 6.015/73, sendo de jurisdição voluntária e havendo julgamento final por sentença, donde os autos deverão ser arquivados no registro civil.

O registro público possui como fins precípuos a autenticidade, segurança e a eficácia dos dados.

Segundo Washington de Barros Monteiro: “Registro é o conjunto de atos autênticos tendentes a ministrar prova segura e certa do estado das pessoas. Ele fornece meios probatórios fidedignos, cuja base primordial descansa na publicidade, que lhe é imanente. Essa publicidade de que se reveste o registro tem função específica: provar a situação jurídica do registrado e torná-la conhecida de terceiros” (Curso de Direito Civil, Direito de Família, Saraiva, 1974, pg. 81).

Recurso especial a que se nega provimento.
(Resp 1.069.864/DF, Relatora Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18 de dezembro de 2008)
Processo nº: 2008⁄0140269-0
Relatora: NANCY ANDRIGHI
Data do acórdão: 18/12/2008
Ementa:
Direito civil. Interesse de menor. Alteração de registro civil. Possibilidade.
- Não há como negar a uma criança o direito de ter alterado seu registro de nascimento para que dele conste o mais fiel retrato da sua identidade, sem descurar que uma das expressões concretas do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana é justamente ter direito ao nome, nele compreendido o prenome e o nome patronímico.
- É conferido ao menor o direito a que seja acrescido ao seu nome o patronímico da genitora se, quando do registro do nascimento, apenas o sobrenome do pai havia sido registrado.
- É admissível a alteração no registro de nascimento do filho para a averbação do nome de sua mãe que, após a separação judicial, voltou a usar o nome de solteira; para tanto, devem ser preenchidos dois requisitos: (i) justo motivo; (ii) inexistência de prejuízos para terceiros.
Neste sentido é admissível a retificação no nome da genitora em sua certidão de nascimento, em razão de possíveis problemas para o requerente com a demonstração pública de sua origem materna bem como de tal alteração não causar quaisquer prejuízos a terceiros.
Podendo, logo, ser alterado e passar a constar como Maria de Tal.

No que diz respeito à alteração do nome do requerente, seguem-se os mesmos princípios da modificação do nome materno, ou seja, o princípio de ter direito ao nome, no caso em tela, ao patronímico da genitora, para dele inclusive constar a sua descendência. A vedação da Lei 6.015 de impedir a mudança de nome não pode sobrepor-se ao princípio da dignidade da pessoa humana, até por que a imutabilidade do nome tem o fim de proteção e segurança familiar e resguardo dos direitos de terceiro, ambas nesse caso estão preservadas.

Assim, avançamos da questão apenas patrimonial para uma decisão humanista, nos preocupamos com a pessoa, pois o requerente ao vir ao judiciário colocar seu desiderato de acrescentar ao seu nome o patronímico da genitora traz anseios não só patrimoniais, mas de cunho afetivo e quiçá de dignidade, pleiteando o direito de ter em sua assinatura referências a sua mãe.

Dignidade da pessoa humana não pode ser parcial, há de ser plena, o direito ao nome também é direito à personalidade, e quando se contrapõe o direito à personalidade com o direito público, como é o caso do registro público, ainda é uma difícil escolha optar pelo primeiro. Somos uma geração que viveu sob a égide do direito patrimonialista tutelado pelo poder público, era necessário ter segurança nos negócios, e para isso a lei de registro públicos foi a fiel guardiã da imutabilidade dos registros de nascimento.

Romperam-se alguns laços como o do recente registro tardio que finalmente foi reconhecido como direito à cidadadia, acima de outras idéias anteriores que protegiam mais a previdência social que o indivíduo, nos fazendo procastinar uma ação de registro civil tardio anos a fio para resguardar uma possível ação previdenciária. Não se pensava no registro como direito ao mínimo de cidadania.

Assim é o direito ao nome, um desdobramento do direito à dignidade humana, que merece a tutela publicista a partir do momento que é exercitado na coletividade, na sociedade, na comunidade, na escola, na igreja, na família, ou seja, no espaço público. Ao mesmo tempo não se pode perder de vista que o direito ao nome é de caráter subjetivo privado, pois é direito à personalidade. O desafio do direito é essa dialética, não é necessário resguardar o publicista ou o privado, pode-se resguardar os dois, numa síntese que são os princípios constitucionais, como o direito à dignidade humana, no seu caráter coletivo e privado, superando-se as dicotomias.

Algumas vezes as pessoas são levadas por afãs momentâneos, como quando os pais repetem o nome do pai no nome do filho acrescentando Júnior ou Filho, aliado a uma sociedade machista que vê nessa atitude uma perpetuação do domínio masculino. O tempo muda, os anseios mudam e a criança cresce e deseja ter também no seu nome a marca da figura materna. Não se pode condenar esse filho a um verdadeiro Suplício de Tântalo ao negar-lhe o direito de ser fruto de uma relação por inteiro, negar-lhe o direito ao nome da mãe e do pai nas águas correntes de sua vida. Não é necessário morrer de fome e de sede em frente ao rio e sobre uma árvore. A justiça não pode negar-lhe esse direito. Dê-lhe a água. Dê-lhe os frutos.



Em vista do exposto, o Ministério Público opina pela PROCEDÊNCIA TOTAL do pedido, devendo ser concedida a medida requestada, nos termos da inicial quanto a retificação do nome da genitora e do acréscimo do seu patronímico.

É o parecer.

Recife, 13 de setembro de 2010.


IRENE CARDOSO SOUSA
Promotora de Justiça em exercício cumulativo

Nenhum comentário: