sexta-feira, 22 de outubro de 2010

CRAS E MINISTÉRIO PÚBLICO


Para entender a relação entre o Ministério Público e os CRAS e CREAS é necessário compreender a Política Nacional de Assistência Social em linhas gerais, e a engrenagem dos conceitos de serviços.

O SUAS - SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL rege a Assistência Social, assim como o SUS está para a Saúde, ambos como princípio fundamental a universalidade. Uma diferença entre os dois sistemas, é que o SUAS trabalha com a FAMÍLIA E O INDIVÍDUO.

A lei que o rege o SUAS é a LOAS, de 22 de setembro de 2004, que foi norteada pelas deliberações da IV Conferência Nacional de Assistência Social de 2003.

Desde então o SUAS tem uma nova lógica de operação, por níveis de complexidade e territórios. Existe a proteção social básica e a proteção social especial.

Os serviços padronizam-se por níveis de proteção: básica e especial, sendo a especial dividida em média e alta complexidade.

É necessário identificar o indivíduo ou família em cada nível para encaminhamentos. Na cidade do Recife, a promotoria do idoso encaminha os casos diretamente aos CRAS e CREAS, exigindo um maior domínio não só de identificação de vulnerabilidade e proteção, como um domínio de território, pois o endereço do cidadão é essencial para definir a área de atuação do CRAS.

Em Jaboatão dos Guararapes encaminhamos à Secretaria de Promoção Humana e Assistência Social que o reencaminha a um dos 10 CRAS existentes, e ao único CREAS. Se por um lado nos subtrai a responsabilidade de fazer o endereçamento correto, centraliza na Secretaria e nos deixa um tanto presos a uma burocracia centralizada que de certa forma retarda o processo. Para mim, a solução foi manter contato telefônico direto com a assistente social do CRAS após o encaminhamento do ofício, no caso de atraso no envio do relatório. A maioria das vezes o atraso deveu-se a novas visitas que a equipe julgou melhor fazer, mas só a informação de confirmação ou não de maus tratos auxiliava no desdobrar do procedimento.


ATENÇÃO ESPECIAL BÁSICA - CRAS
O objetivo da proteção social básica é prevenir situações de risco e vulnerabilidade social que deve ser realizada de forma direta em Centros de Referência da Assistência Social - CRAS e outras unidades públicas de assistência social.

O CRAS é conceituado pela PNAS como unidade política estatal de base territorial que atua com famílias e indivíduos em seu território comunitário visando à orientação e inserção em serviços de assistência social local e demais políticas públicas e sociais, possibilitando o desenvolvimento de ações intersetoriais de modo a prevenir situações de viloação de direitos e enfrentar vulnerabilidade e riscos.

Exemplos de serviços executados e acompanhamentos pelo CRAS:
  • Escuta, orientação e encaminhamentos

  • informação e defesa de direitos

  • grupos de convivência

  • mapeamento, articulação e organização da rede socioassistencial local

  • visitas domiciliares

  • cadastramento, atualização de dados e acompanhamentos sistemático às famílias do Programa Bolsa Família

  • encaminhamento e acompanhamento sistemático às famílias do Benefício de Prestação Continuada - BPC

  • Vigilância Social: mapeamento e observação permanente das situações de vulnerabilidade e exclusão, produção, sistematização e divulgação de indicadores sociais referentes à área de abrangência do CRAS

  • benefícios eventuais como o auxílio natalidade e auxilio funeral

Minha história com o CRAS no início foi muito tumultuada, por que não entendia sua estratégia, assim como eles não entendiam minha intervenção. Geralmente mandava ofícios com denúncias anônimas de maus tratos a idosos e deficientes que encaminhava para os CRAS com a finalidade de verificar se de fato os maus tratos estavam configurados, e que apontassem os possíveis agressores. Meu viés ainda era de investigação criminal, apesar de ser promotora da cidadania, ainda sem conhecer os meandros da assistência social estava incorporada da promotora criminal por 4 anos no júri. Então não aceitava os relatórios inconclusivos sem apontar um "responsável".

Nessa época fizemos várias reuniões, entre CRAS, Secretaria, Delegacia do Idoso e Conselho dos Idosos. Depois me reuni com os CRAS diretamente e as psicólogas e assistentes sociais estavam numa posição desconfortável de não atuar como auxiliar criminal do Ministério Público.

Nesse ponto foi importante entender a noção de território trabalhada pela assistência social, pois as técnicas atuavam com a família e o indivíduo dentro da comunidade, e diferente do corpo técnico do MP que está centrado em um prédio distante da realidade local, as técnicas do CRAS trabalham em função de um só território. É preciso respeitar o fato de que são os técnicos que estarão lá na comunidade sempre. Por outro lado os fiz entender que a Promotoria da Cidadania também tinha essa atuação, mas caso fossem configurados os maus tratos daríamos o encaminhamento devido, inclusive sob o aspecto criminal. O importante foi manter o diálogo que o relatório seria instrumento de orientação para todos, e o Ministério Público caso necessitasse de um aprofundamento encaminharia para nossos técnicos.

Na prática o relatório do CRAS é tão bom que dali extraio tudo que me interessa para embasar uma audiência entre os envolvidos na denúncia de maus tratos e descobri que era só uma questão de entender o papel de cada um, hoje uso a linguagem da vulnerabilidade social quando endereço um pedido de relatório ao CRAS ou CREAS. É simples. Mesmo quando nossa psicóloga faz o relatório, às vezes encaminhamos para um acompanhamento da família pelo CRAS, para que sejam tomadas as providências de inserção social.


Vou comentar um caso prático em que fica claro esse conflito. Havia uma denúncia de abandono de dois portadores de deficiência mental que eram irmãos, pela sua família, que eles estaria sem alimentação e com uso indevido do benefício. Essa denúncia foi feita por seus vizinhos que me encaminharam uma abaixo assinado pedindo que uma das vizinhas ficasse responsável pelos dois, eis que era de confiança. Atendi a vizinha e ela se colocou a disposição de ficar com os dois, e pela urgência do relatado encaminhei diretamente à nossa psicóloga para fazer um relatório que confirmou os maus tratos. Adiantei a ação de interdição e coloquei como curadora a vizinha. Como o caso demandava uma companhamento, também requeri o laudo do CRAS. Para minha surpresa o relatório indicava uma necessidade de manutenção dos vínculos familiares, pois com a curatela da vizinha, uma moça e um rapaz, perderiam contato com a irmã mais velha que os tinha criado desde que a mãe solteira morrera. Ela era alcóolatra por conta da grande responsabilidade que lhe foi atribuída ainda jovem, e a retirada dos seus irmãos de casa lhe tiraria o único rendimento, pois ela nunca trabalhou para cuidar dos irmãos. Bom, os irmãos já não estavam mais com ela, e restava apenas restabelecer essa relação e colocar essa irmã alcoolista em programa de reabilitação. E o que fizemos, alertamos a vizinha que a mudança de curatela poderia ser proposta a qualquer momento, desde que a irmã voltasse a ter condições de reassumir a família. Caso em aberto para o CRAS. Caso aberto para minha cabeça, foi maravilhoso, pois afastei a promotora criminal que só queria um culpado pelos maus tratos. Não havia. Todos eram vulneráveis, fragilizados. Foi uma boa lição para nós e para o CRAS.


Ainda não afinamos a sintonia com os portadores de transtorno mentais, ocasiões em que tenho pedido intervenção da Secretaria de Saúde, COM A REALIZAÇÃO DE VISITA DOMICILIAR PARA AVALIAR A PESSOA.
No próximo tópico falaremos do CREAS e MP.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mas então minha cara, continue, pois com toda pureza d'alma, emocionei-me no final do seu relato. Que todos eram vulneráveis, isto quer dizer que vc. quando observa o Aiciberg, o analisa, por inteiro, ou seja o todo, não somente a parte de cima, a que todos veem.